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Especial

A tragédia de Arlindo Zunino

Passados oito anos, os jornalistas Thiago Facchini e Wilson Schmidt Junior remontam em detalhes um dos crimes mais bárbaros já ocorridos em Brusque

Publicado em 04/08/2020 às 22:11
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Por volta de 10h15 de 5 de agosto de 2012, há exatos oito anos, Arlindo Zunino, de 63 anos de idade, perdia a batalha pela vida. Ele suportou por seis dias, até que sucumbiu e morreu no Hospital Azambuja, em Brusque (SC), vítima de complicações oriundas de um gravíssimo traumatismo craniano ocasionado por diversas pancadas em sua cabeça.

Responsável pela Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) da unidade hospitalar à época, o médico Eduardo Ballester relata que o idoso permaneceu entubado e sedado durante todo o período de internação. Com imensa comoção popular, o ‘velhinho gente boa’, que era natural de Major Gercino, foi enterrado na manhã seguinte ao seu falecimento, no Cemitério Municipal Parque da Saudade.

Pai de sete (oito, se contar o neto que também foi criado como filho), Arlindo era o típico homem nascido na década de 50. Bastante sério durante o crescimento das crianças, sempre foi um incentivador de que todos estudassem para conseguir um bom futuro. Com o passar dos anos, se tornou brincalhão e de coração mole. Uma pessoa maravilhosa, sempre contente, feliz, e que prezava pela constante união entre os irmãos. Características até hoje vivas na memória de Laila Zunino, uma das filhas.

Arlindo Zunino se preparando para mais um dia de trabalho - Foto: divulgação/arquivo de família

30 de julho de 2012

De estatura alta, porte físico avantajado e trajando um moletom bege com capuz preto, Sandro Kammer invadiu o Terminal Urbano na madrugada, por volta de 2h. Após se esconder embaixo da escada situada no saguão do local, começou a fazer alguns barulhos propositais. Era tudo um ardil para ter a atenção do vigia da noite, que foi ver o que estava acontecendo. 

Foto: reprodução/Youtube TV Brusque

Foi o próprio Sandro que, dias depois, admitiu para a Polícia Civil ter pego uma barra de ferro para agredir o segurança noturno. “Quando Arlindo já estava no chão, quando ele não estava causando nenhuma resistência, o acusado continuou a dar estocadas na sua cabeça”, detalha a promotora de Justiça Susana Perin Carnaúba, que atua no Fórum da Comarca de Brusque.

Kammer alegou ter feito o que fez por medo de ser reconhecido. Afinal de contas, aquele homem que estava no chão, inconsciente e já fadado à morte era seu colega de profissão. O algoz trabalhava no turno diário, naquele mesmo local. “Eu acredito que a ideia dele tenha sido mesmo matar”, opina Carnaúba.

Após praticar o ato de extrema violência contra o idoso, Sandro Kammer arrombou a porta de um dos guichês do terminal, de onde roubou cerca de R$ 1,5 mil em dinheiro. Depois, quebrou um vidro para ter acesso a bilheteria. Mesmo depois de se cortar e sair sangrando do local público ele ainda conseguiu levar mais R$ 1,5 mil, também em espécie. Para o assassino, a vida de Arlindo Zunino, àquele momento, valia pouco mais ou pouco menos de R$ 3 mil. 

“Estávamos dormindo. Era de madrugada quando ligaram para avisar o que tinha acontecido. Não precisamos nem dizer o sentimento de desespero naquela hora”, contou Laila. Apesar do terror vivido, a família manteve a fé até o último suspiro de Arlindo. Eles acreditavam que o velhinho ia ficar bem e que iria voltar para casa e para os braços de sua mulher, Nanci Maria dos Santos, cujo casamento de 26 anos acabou sendo subitamente interrompido pelas mãos brutais e impiedosas do latrocida. 

Enquanto Zunino, conhecido pela sua gentileza, carisma e generosidade, lutava com todas as suas forças para permanecer vivendo, Sandro Kammer aproveitava os seus últimos instantes de impunidade e liberdade. Dormindo com um confortável pijama de cor branca e azul, ele foi surpreendido pela Polícia Militar em uma quitinete no bairro Nova Brasília, ainda na mesma noite do crime.

 Pela versão oficial, o assassino teria reagido à prisão, fazendo com que os militares tivessem de usar a força para detê-lo. Se foi isso o que, de fato, aconteceu, não é possível saber com exatidão. Porém, versões de fontes anônimas relatam que os policiais, inflamados e comovidos com a covardia do caso, teriam agredido Kammer no momento de sua detenção.

Chorando, em entrevista à TV Brusque o criminoso disse ter se arrependido pela morte de Zunino, afirmando que causaria um grande desagrado à sua mãe. Na ocasião, ele disse em frente às câmeras que cogitava tirar a própria vida após o trágico episódio. Assista a reportagem completa:

Família marcada

Arlindo não era o único vigia da família. Ao menos outros quatro integrantes, incluindo Laila, também trabalhavam na mesma função, só que em outros lugares de Brusque. O trauma ocasionado pelo crime fez com que todos largassem seus empregos na área da segurança patrimonial, por pensarem constantemente que o mesmo poderia lhes acontecer a qualquer momento.

“Nesse trabalho você espera ser atacado por pessoas de fora, bandidos. No fim, pode ser o seu próprio colega a fazer mal para você, como ocorreu com meu pai. Isso me desestruturou. Eu não conseguia mais trabalhar. Tive que pedir a conta. Até tentei de novo depois, mas no fim eu saí mesmo”, relata.

Emocionada, a primogênita Daniele Zunino, que lembra do pai como um eterno incentivador, diz ter tomado para si a responsabilidade de cuidar da família. “Eu não conseguia mais ir pra faculdade, faltava bastante. Quase reprovei por falta. Adquiri problemas nos nervos, precisei de ajuda psicológica, pois, não conseguia lidar com aquilo tudo (...) o lado bom é que todos tiveram muita consideração”, desabafa.

Dani explica que a mãe Nanci foi uma das pessoas que mais ficaram abaladas com o ocorrido. A mulher, que não conseguiu mais trabalhar como professora, se fechou para o mundo. Não falava, não chorava, e sofria com constantes aumentos abruptos de pressão arterial. Simplesmente não conseguia colocar para fora a raiva e a indignação que sentia.

11 de outubro de 2012

Em um dos trâmites judiciais mais rápidos da história do Fórum da Comarca de Brusque até então, pouco mais de dois meses se passaram entre o crime e a condenação de Sandro Kammer. A caneta do juiz de direito da Vara Criminal, Edemar Leopoldo Schlosser, pesou. Após júri popular bastante concorrido, tanto pela mídia, quanto pela população, o acusado foi sentenciado culpado de todas as acusações, recebendo uma pena de 25 anos e 10 meses de prisão em regime fechado.

“O réu agiu com brutalidade e descomedida violência contra a vítima, mesmo após esta já ter sido agredida e se encontrar prostrada ao solo, sem as mínimas condições físicas para oferecer qualquer tipo de reação. Aliás, as imagens do crime, veiculadas pela mídia local, regional e até nacional, falam por si só, pois chocaram a sociedade pela forma covarde e brutal como a vítima foi abatida, trazendo grande comoção social”, exprimiu o magistrado, em entrevista a Portal da Cidade Brusque.

Contratado pela família para assistir e auxiliar o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) na acusação contra Sandro Kammer, o advogado brusquense Fabrício Gevaerd prometeu, à época dos fatos, fazer justiça. “Buscarei a mais alta pena para esse animal agressor. Serei implacável”, comentou Fabrício em uma publicação no Facebook do jornalista Rodrigo Santos, ainda em 2012.

Foto: reprodução/Facebook

Para Portal da Cidade Brusque, Gevaerd disse ter considerado a pena bastante rigorosa e completamente compatível com a violência do crime praticado. Ele classifica o episódio como ‘bárbaro, horrendo’, e que causou enorme convulsão social na cidade. Nos seus 25 anos de advocacia, Fabrício diz ter sido um dos casos criminais que mais lhe causou espanto.

“O que chamou a atenção foi a frieza, o calculismo e a brutalidade (...) o latrocida não possibilitou a mínima chance de defesa para a vítima. O crime teve a reprimenda a altura pelo juízo de Brusque”.

2015: a hora de Sandro Kammer chegara

Após ser condenado em 2012, Sandro foi imediatamente transferido para o Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, na Canhanduba, em Itajaí (SC). Depois de três anos de cumprimento de pena, começou a apresentar vários episódios de indisciplina dentro da prisão. 

No início de 2015, quando ocorreu a primeira briga, o condenado bateu em um outro detento. Já em março e abril, em duas ocasiões, foi encurralado e apanhou de prisioneiros rivais.

Por volta de 14h do dia 31 de maio, depois de um mal súbito ocasionado por circunstâncias desconhecidas, o latrocida de 34 anos de idade foi encaminhado às pressas ao hospital por uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Assim que seu atendimento iniciou, teve de ser imediatamente entubado. Perto das 18h, o homem que tirou a vida de Arlindo Zunino também ficaria cara a cara com a morte.

“A causa foi indeterminada. Eles realmente não sabem o que causou. A pena que ele teria que cumprir, de 25 anos, se resumiu a três”, salienta a promotora Susana Perin Carnaúba.

Quem vê de fora pode até sentir uma certa satisfação mórbida com o desfecho da situação. Porém, para quem viveu de dentro o desespero de assistir um ente querido ser tão injustamente assassinado, isso não causa conforto.

“Sinceramente não faz diferença, pois, com ele [Sandro] vivo ou morto, não temos mais o nosso amado pai aqui conosco. Querendo ou não a justiça foi feita aqui da terra, pelos profissionais que trabalharam no caso e ajudaram a punir ele. Somos gratos por isso, pois sabemos que nem sempre é assim. Ainda tem pessoas que ficam impunes”, finaliza a filha Laila.

Ela enfatiza que o pai sempre permanecerá vivo no coração da família. “Só tenho que agradecer a ele o que somos hoje. Um pai maravilhoso, bondoso, honesto, feliz, que soube criar a gente muito bem (...) acredito que um dia vamos nos encontrar de novo. Sei que ele está bem onde estiver. Ele olha por nós. Lamentamos que dessa forma não tenhamos conseguido nos despedir dele, pois, tiraram ele da gente”.

Foto: divulgação/arquivo de família

por Thiago Facchini e Wilson Schmidt Júnior

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