A última canção gravada pelos Beatles para o Let It Be, último álbum da banda a ser lançado, em 1970, já denunciava o que estava acontecendo. I Me Mine é nada mais do que a visão de George Harrison sobre como as individualidades de cada um de seus integrantes destruíram a banda. O guitarrista compôs essa canção em meio as gravações de Get Back e expôs tudo o que vinha acontecendo. Paul havia tomado o comando e pretendia que os demais tocassem exatamente como ele exigia, John estava cada vez mais absorvido por sua nova relação sentimental e artística, George lutava para que suas músicas tivessem mais protagonismo e Ringo pensava em uma carreira de ator (acabou gravando o filme The Magic Christian pouco depois).
A relação já era tensa há um bom tempo. Nas gravações do Álbum Branco (1968), cada integrante trabalhava individualmente e quando estavam juntos o ambiente era tão tenso que Ringo abandonou a banda sentindo que estava tocando mal e que era ignorado pelos demais. Pouco depois, foi convencido a retornar e foi recebido de volta com sua bateria cheia de flores.
As diferenças entre os fab four ficavam cada vez mais explícitas. O conceito de Get Back que era como o projeto se chamaria inicialmente era de voltar as raízes e capturar canções “cruas”, sem sobregravações e instrumentos adicionais. Após anos de experimentos, o álbum teria um som “honesto”, como eles mesmos definiram. Outro objetivo de Get Back era gravar um documentário que após mostrar os ensaios, culminaria em um grande concerto no qual a banda mostraria ao público suas novas canções. Era a oportunidade perfeita para dar a volta por cima na indústria cinematográfica após o fracasso de Magical Mystery Tour (1967).
Os ensaios começaram nos estúdios de Twickenham, onde haviam sido filmados A Hard Day’s Night (1964) e Help! (1964). O espaço era frio e não reunia as condições necessárias para o processo criativo, o que incomodou os quatro desde o início. Acostumados a trabalhar no período da noite, não gostavam da ideia de apresentar-se no set durante o dia. As tensões que haviam entre eles, somada ao clima que estavam sujeitos, criaram um ambiente hostil e insuportável. John Lennon reclamaria anos depois. “Não se pode fazer música às 8 da manhã com pessoas te filmando o tempo todo”.
Não havia um roteiro, já que a ideia era filmar a rotina da banda. Não demorou para uma discussão entre Paul e George aparecer e ficar imortalizada no filme. “Estou tentando te ajudar, mas sempre noto que te irrito”, disse o baixista. “Não, você não está me incomodando. A verdade é que não me importa, tocarei o que você quiser e se você não quiser nada, não tocarei nada”, respondeu George com ironia.
Não era a primeira vez que Paul interferia em como George deveria tocar. Além disso, o guitarrista não conseguia emplacar suas músicas, que não eram bem aceitas pelo grupo.
Além das canções que integrariam o Let It Be, os Beatles escreveram outras músicas que terminaram no Abbey Road, lançado no ano anterior, como Maxwell’s Silver Hammer e Octopus Garden, e também algumas que posteriormente apareceriam em seus discos solos. No álbum, também foi regravada One After 909, faixa 10, que foi escrita por John e Paul em 1963. O Let It Be contou com o aporte de Billy Preston, tecladista da banda de Ray Charles e que os Beatles conheceram na Alemanha em 1962.
A ideia de terminar o documentário com um show ao vivo teve como possibilidades lugares extravagantes como o Deserto do Saara ou um cruzeiro em alto mar, mas a força coletiva do grupo naquele estágio só permitiu que eles subissem ao terraço de seus escritórios na Saville Row, em Londres. O recital durou 42 minutos, até ser interrompido pela polícia.
O Let It Be estava previsto para julho de 1969, mas foi adiado devido ao lançamento do Abbey Road no mesmo ano. Mas acabou sendo lançado somente em 1970, sendo o último disco dos Beatles lançado ao mercado. É um álbum que mesmo tendo sido produzido sob grandes conflitos, evidencia toda a genialidade da maior banda da história. Pouco tempo depois, os quatro iniciavam suas carreiras solo e encerravam de vez a banda, porém, apesar de terem feito grandes canções em suas novas fases, nunca mais conseguiram produzir algo tão bom quanto na época que estiveram juntos.
Let It Be é o final de um longo caminho que levou os Beatles a virarem a maior banda de todos os tempos. É ao mesmo tempo um símbolo de deterioração na relação entre os integrantes. Ainda hoje, deixam claro o porquê de serem os melhores, apesar de todos esses obstáculos.
Foi eleito pela revista Rolling Stone como o 86° melhor álbum de todos os tempos na lista de 500.
Faixas:
1 – Two of Us (Lennon/McCartney)
2 – Dig a Pony (Lennon/McCartney)
3 – Across The Universe (Lennon/McCartney)
4 – I Me Mine (Harrison)
5 – Dig It (Lennon/McCartney/Starkey/Harrison)
6 – Let It Be (Lennon/McCartney)
7- Maggie Mae (Trad. arr. Lennon—McCartney—Harrison—Starkey)
8 – I’ve Got a Felling (Lennon/McCartney)
9 – One After 909 (Lennon/McCartney)
10 – The Long and Winding Road (Lennon/McCartney)
11 – For Your Blue (Harrison)
12 – Get Back (Lennon/McCartney)