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Índices de violência doméstica crescem a cada ano no País

Na Justiça catarinense há 41.743 processos em andamento envolvendo violência doméstica contra a mulher

Publicado em 18/01/2020 às 01:58
Atualizado em

(Foto: Divulgação/Reprodução)

Maria da Penha Maia Fernandes é uma biofarmacêutica cearense que foi casada durante 23 anos com o homem que tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez, a deixou paraplégica com um tiro. Na segunda, quatro meses depois de sua recuperação e volta para casa, tentou assassiná-la com choques e afogamento.

Uma história que parece uma tragédia isolada, mas que esconde uma triste realidade brasileira: a de mulheres que estão no ciclo da violência doméstica diariamente. As tentativas de feminicídio não acontecem de repente, mas são o resultado de anos de abuso psicológico e dependência emocional.

Após quase morrer, Maria da Penha decidiu denunciar e se deparou com a maior dificuldade enfrentada por mulheres que estão na mesma situação: ser desacreditada pela justiça. A partir de então, ela decidiu mobilizar o poder público, sua luta junto a órgãos internacionais de direitos humanos culminou na criação, em 2006, da Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340) para proteção de mulheres que vivenciam qualquer um dos cinco tipos de violência no ambiente doméstico.


Mais de 41,7 mil processos em SC

Apesar dos avanços, o Brasil ainda está em 5° lugar no ranking mundial de violência contra a mulher. O Ministério da Saúde registra que, no Brasil, a cada 4 minutos uma mulher é agredida por um homem. Só em 2018, foram registrados 145 mil casos de violência doméstica no país.

Em Santa Catarina o cenário piora, atualmente, há na justiça catarinense 41.743 processos em andamento envolvendo violência doméstica contra a mulher. E de acordo com a Secretaria de Segurança Pública, nove mulheres são estupradas diariamente no Estado, um número superior ao da média nacional. Cerca de 50 feminicídios são registrados por ano em no estado, quase um por semana.

A pesquisa “Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado” estima que cinco mulheres são espancadas a cada 2 minutos no Brasil. O parceiro (marido, namorado ou ex) é o responsável por mais de 80% dos casos reportados. Mas essas agressões não apenas físicas. A lei prevê que elas pode ser de natureza: moral, psicológica, patrimonial, sexual, física e patrimonial.

Mas como identificar essas violências?

A psicóloga Gisele Cristina Schiochet explica que as vítimas de violência doméstica não são só as companheiras, mas também as mães, filhas, irmãs, sobrinhas, enteadas.


Violência física

A violência física é a mais relata nas delegacias da mulher, isso porque, além de serem facilmente identificáveis, as agressões levam ao esgotamento físico e psicológico. Muitas mulheres só tem coragem de denunciar quando suas vidas estão em risco. Na maioria dos casos, os agressores são os próprios companheiros. Em casos extremos essas agressões levam ao feminicídio que é o crime hediondo de assassinato de mulheres por questões de gênero.

São exemplos desse tipo de violência física: tapas, socos e espancamento, atirar objetos, sacudir e apertar os braços, estrangulamento ou sufocamento, lesões com objetos cortantes ou perfurantes, ferimentos causados por queimaduras ou armas de fogo, tortura”, descreve a Psicóloga.


Violência psicológica

Uma das violência mais difíceis de identificar e, que portanto, são menos notificadas, a violência psicológica é caracterizada como “qualquer conduta que cause à mulher dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões”, relata Gisele.

É uma das violências mais comuns e com maior barreira para serem detectadas pelas vítimas, porém o dano psicológico costuma ser devastador. Para a Psicóloga, muitas mulheres não denunciam seus companheiros simplesmente porque não acreditam que estejam sofrendo algum tipo de violência.

“As agressões podem acontecer em forma de xingamentos e que ferem diretamente a moral da vítima. “Porca”, “vagabunda”, “gorda” são apenas algumas das palavras constantemente usadas pelos agressores como forma de rebaixar a mulher, que muitas vezes também são proibidas de usar determinadas roupas, de estudar, trabalhar ou ter amigos”.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a naturalização desse tipo de “agressão” pode ser um estímulo a uma espiral de violência e que, também, pode preceder ao feminicídio.

São exemplos de violência psicológica: ameaças, perseguição, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento (proibir de sair de casa, estudar e viajar ou de falar com amigos e parentes), vigilância constante, insultos chantagem, exploração, limitação do direito de ir e vir, ridicularização, tirar a liberdade de crença.


 Violência Moral

A violência Moral, acontece quando o agressor dá uma opinião contra a reputação moral da mulher e faz críticas mentirosas. Esse tipo de violência também pode acontecer pela Internet. “É uma violência pouco comentada, porém é mais comum do que você imagina. Podemos dizer que é qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”, descreve Gisele.

São exemplos de violência Moral: rebaixar a mulher por meio de xingamentos que incidem sobre a sua índole, tentar manchar a reputação da mulher, emitir juízos morais sobre a conduta, fazer críticas mentirosas, expor a vida íntima, distorcer e omitir fatos para pôr em dúvida a memória e sanidade da mulher, afirmar falsamente que a mulher praticou crime que ela não cometeu.


Violência sexual

Considerada uma das violências que podem causar traumas irreversíveis, a violência sexual é qualquer conduta que obrigue a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.

Apesar de ser normalmente associado ao estupro, o termo violência sexual é muito mais amplo e abrange uma série de situações que as mulheres sofrem atualmente, seja com desconhecidos, parentes, namorados ou companheiros.

“Infelizmente ainda é uma violência comum, principalmente devido ao pensamento machista de posse e de domínio que o homem acredita que tem sobre a mulher e sobre a incapacidade de alguns homens de ouvirem um não como resposta”.

Outro fator que impacta as denúncias e o debate em sociedade é a culpabilização da vítima com comentários referente a vestimenta que a vítima estava no momento da agressão, o lugar e o horário em que estaria na rua, se ela estaria bêbada. Falas como “estava pedindo” e “não se dá respeito” são comuns e erradas. Afinal, a culpa nunca é da vítima.

São exemplos da violência sexual: Estupro (inclusive quando ocorre dentro do casamento, quando o marido obriga a esposa a ter relações sexuais), Obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa (fetiches) Impedir o uso de anticoncepcionais ou forçar a mulher a abortar, Forçar matrimônio, gravidez ou prostituição por meio de coação, chantagem, suborno ou manipulação, Limitar ou anular o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, Obrigar a mulher a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade (exploração sexual).


 Violência patrimonial

Menos falada, porém não menos importante, a violência patrimonial é qualquer ação ou conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos da mulher. “Esses bens podem ser instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as necessidades da mulher”, destaca a psicóloga.

São exemplos de violência patrimonial: furto, extorsão ou dano, controlar o dinheiro, deixar de pagar pensão alimentícia, destruição de documentos pessoais, estelionato, privar de bens, valores ou recursos econômicos, causar danos de propósito a objetos da mulher ou dos quais ela goste.


Como pessoas próximas podem identificar essas violências?

Para a psicóloga, a pessoa próxima pode falar de comportamentos suspeitos em situações de violência, como demonstração de grande tristeza ou depressão. A mulher fica mais fechada e passa a falar menos, as conversas sobre o cotidiano também desaparecem, incluindo assuntos que não têm ligação com o relacionamento.

Além de, repentinamente, ela deixa de ter vida social, evita visitas e também a companhia de amigos e parentes, sua aparência torna-se mais desleixada, deixa de arrumar ou de se maquiar, ausências no trabalho tornam-se mais frequentes, a mulher fica com a autoestima tão baixa que não se sente no direito de falar nada.


Afinal, porque a mulher não denuncia o agressor?

Isso acontece porque a mulher está imersa no ciclo de violência e abuso e não conseguem se desprender sem ajuda. O ciclo se repete por ser um processo cultural, muitas vezes, a mulher não tem consciência do processo, principalmente, pelo laço afetivo e até financeiro, ela acaba permitindo as repetições. Esse ciclo acontece em três etapas:

1° - a primeira fase é a da tensão: o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva. Ele humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos;

2° - a segunda fase é o ato de violência: corresponde à explosão do agressor, ou seja, a falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento. aqui, toda a tensão acumulada na fase 1 se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial.

3° - a terceira fase é o arrependimento também conhecida como “lua de mel”, isso porque o agressor demonstra grande arrependimento, se torna amável para conseguir a reconciliação. “Violência doméstica de modo geral permeia pelo laço afetivo, e pela dificuldade de dialogar com as pessoas, elas acabam tendo atitudes violentas”, relata Gisele.


Como combater a violência doméstica?

O primeiro passo é a conscientização e o debate, segundo a especialista. A causa precisa ser conhecida, entendida, compreendia, precisamos trazer essa consciência a geração de jovens que se espelham nas atitudes vistas dentro de casa, repetindo ciclos de agressão.

“E como isso não é um tema abordado constantemente se fala pouco de violência, estuda pouco e as próprias pessoas que sofrem violência não se sente a vontade de falar sobre o que vivenciaram”, relata Gisele.

Por isso é importante institucionalizar a causa com a criação de fóruns, entidades, rodas de conversar, ONGs que atuem diretamente com a temática, dando visibilidade e divulgação, podem trazer debater e estratégias de pensar sobre o tema.

“Serviços públicos têm alguns setores que trabalham com a temática, delegacia, assistência social, saúde, todos têm departamentos voltados para a questão. Mas a sociedade de modo geral precisa entender e participar, pois todos nós precisamos falar desse assunto, entender dele e saber onde buscar apoio caso aconteça com familiares ou alguém próximo”, finaliza a psicóloga.

Deve-se cobrar dos poderes públicos, mas a sociedade, também, precisa se responsabilizar pelos debates de violência e, para isso, é necessário conhecer essa realidade, discutir e criar propostas de enfrentamento.


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