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DEBATE

Câmara faz audiência sobre autolesão e perigos na internet a crianças

Psicanalista Mário Augusto Eccher abordou prática da automutilação entre crianças e adolescentes e influência e os perigos a que estão sujeitos na internet

Publicado em 11/05/2019 às 06:16

A Câmara Municipal de Brusque recebeu, na última quinta-feira (9), o psicanalista clínico e graduando em Psicologia Mário Augusto Eccher, para abordar a prática da autolesão e da automutilação entre crianças e adolescentes e a influência e os perigos a que eles estão sujeitos ao acessarem conteúdos impróprios na internet.

Essas foram  as temáticas centrais da audiência pública realizada no plenário do Poder Legislativo. O evento foi proposto a partir da junção dos requerimentos nº 18/2019, de autoria do vereador Gerson Luís Morelli, o Keka (PSB), e nº 24/2019, proposto pelo vereador Marcos Deichmann (Patriota). 

Eccher trouxe ao Legislativo informações e estatísticas para contextualizar sua abordagem, na qual discorreu sobre as prováveis causas da autolesão, também chamada de cutting, na expressão em inglês, as formas de identificar o problema e como lidar com a vítima. “Temos crianças extremamente inteligentes, que falam alguns idiomas, fazem uso da tecnologia melhor do que os adultos, mas são extremamente frágeis emocionalmente”, afirmou.

Furar-se com agulhas, canetas, pontas de compasso, de lapiseira e de pregos, cortar-se com estilete ou cacos de vidro, queimar a pele com cigarros, arrancar cabelos, bater ou esmurrar a si mesmo e roer as unhas até sangrar são algumas das formas de autolesão.

Em Brusque, segundo Eccher, ao menos 64 crianças foram identificadas como vítimas do distúrbio por meio de um projeto que abrangeu 19 escolas da rede pública municipal de ensino. “Uma única escola registrou que não possuía nenhum caso, mas na semana seguinte ligaram urgente por causa de uma tentativa de suicídio”, contou o psicanalista. 

Numa pesquisa realizada em duas unidades escolares do município, foram entregues questionários a 155 estudantes com idade entre 11 e 16 anos. Desse grupo, 21 alunos responderam que praticavam o cutting, um em cada sete, e outros 36 declararam já haver se autolesionado. Se somados os dois resultados, a média de estudantes que se autolesionam será de um para cada três. Só 21 indicaram ter pedido ajuda diante da situação. No mesmo levantamento, 127 alunos disseram conhecer alguém que se autolesiona. 

Eccher traduziu o cutting como um “corte na dor”. A autolesão funcionaria como a materialização da dor emocional através de uma dor física, para aliviar a sofrimento que muitas vezes não se consegue expressar, seja por falta de diálogo, oportunidades ou por não saber lidar com os sentimentos. “Uma vez que a dor emocional não é tão simples de ser cuidada ou acessada, a ferida provocada pela autolesão pode ser vista, tocada, tratada com medicamentos, promovendo a sensação de controle e alívio”.

Comportamentos comuns em quem se autolesiona vão do desinteresse por atividades de que antes gostava à queda no rendimento escolar, isolamento social, uso de roupas de manga longa em dias quentes, cortes frequentes nos braços e pernas, agressividade, irritabilidade, agitação psicomotora, alteração no apetite, sonolência, desatenção e desenhar pessoas cortadas ou sangrando.

Quando a criança ou adolescente passa a não mais esconder as feridas, é porque está pedindo socorro: “Nesses casos, a pessoa pode ser mal compreendida, ridicularizada, menosprezada. Interpretada como alguém rebelde ou que quer chamar a atenção. Porém, o comportamento autolesivo frequentemente está associado a quadros depressivos e isolamento social. Exibir os ferimentos pode ser a única maneira que ela encontra para expressar seus sentimentos e pedir ajuda”, esclarece Eccher.

O problema, prosseguiu, é silencioso: afeta cerca de 20% dos adolescentes no Brasil e no mundo, conforme reportagem veiculada em 2016 na televisão, e estaria mais disseminado do que o uso de drogas. Nesse contexto, o bullying é apontado como uma das principais motivações para o cutting, que pode estar associado ainda a abusos emocionais e sexuais, negligência dos cuidadores, perdas, violência e inabilidade para lidar com as emoções.

“O objetivo da autolesão não é tirar a própria vida, mas a doença pode estar relacionada a outros distúrbios psíquicos de fundo depressivo quando, aí sim, pode haver risco de vida”, explicou Eccher. “Já as automutilações são comportamentos autoagressivos mais graves, tais como amputações de membros, remoção do globo ocular e castração. Levam a uma destruição irreversível do corpo e, frequentemente, ameaçam a vida”, complementou. 

Famílias, escolas e amigos devem cuidar para que não se tornem potencializadores do cutting. Os adultos podem adotar medidas como observar a criança ou adolescente sem ser percebido (a fim de conter impulsos suicidas, se for o caso), procurar entender o contexto e se aproximar de forma acolhedora, sem julgamentos e sem expor ainda mais a condição da vítima.  

“O mais importante é não reforçar o estigma de que o paciente faz aquilo para chamar a atenção. Se descobrirem que a criança está se cortando, a regra é básica: olhe-a como se ela estivesse chorando e pergunte o motivo do sofrimento. O problema não é o corte. Ninguém feliz se corta. É preciso descobrir o sentimento que está por trás disso”, orientou Eccher.

O psicanalista sugeriu aos professores que promovam conversas com os pais e entre colegas de equipe, repensem o quanto têm preparado seus alunos para o futuro, “porque existe um déficit de presente”, e o próprio relacionamento estabelecido com esses alunos. Os educadores também devem comunicar às famílias sobre quaisquer suspeitas de cutting.  

Após a apresentação, também se manifestaram o tenente-coronel do 18º Batalhão de Polícia Militar, Otávio Manoel Ferreira Filho, a psicóloga Jaqueline Vieira, servidora da Secretaria de Educação de Brusque, e o secretário de Saúde do município, Humberto Fornari - cada qual expondo seus pontos de vista a respeito da problemática em foco. Demais pessoas da comunidade que acompanhavam a audiência pública também expressaram suas opiniões. Conselho Tutelar, Corpo de Bombeiros e Unifebe estavam entre as entidades representadas. A vereadora Ana Helena Boos (PP) participou do início do evento, mas precisou se ausentar devido a outro compromisso.

Professor na rede particular de ensino, Keka defendeu a promoção, por parte do poder público, de atividades esportivas, culturais e de lazer - em prol da formação de uma juventude saudável: “Venho cobrando do prefeito Jonas Paegle e do vice-prefeito, Ari Vequi, a prevenção, através de espaços culturais, esportivos, do trabalho com escolinhas [de prática esportiva]. Ao invés de aumentarem, esses espaços estão diminuindo. Esses são os caminhos pelos quais vamos tirar a criança da rua, do vazio. Sinto muita falta disso”. Ele também reforçou o pedido feito à prefeitura, em sessão ordinária, pela manutenção da pista de bicicross e a construção de quadras de areia nas proximidades da Arena Brusque.

Deichmann, presidente da audiência pública, ressaltou a urgência de adesão da comunidade - especialmente de mães e pais - à discussão em pauta: “A responsabilidade maior pelas crianças e adolescentes é dos pais. Participo da vida escolar e familiar dos meus filhos e vejo o quanto isso é importante, ainda mais com a abertura informacional proporcionada pela internet. Temos que estar ainda mais presentes na educação deles”, argumentou. “Com certeza, temos que fazer mais audiências públicas, palestras e reuniões com as entidades envolvidas nesse assunto, para que possamos abranger o maior número de crianças”, concluiu.


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