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Saiba como vivem os portadores de fibrose cística, doença rara e genética

Moradores de Brusque e Blumenau relatam as dificuldades no dia-a-dia e dão lição de esperança para àqueles que sofrem com a doença

Publicado em 23/09/2020 às 01:14
Atualizado em

Você já ouviu falar em fibrose cística? Setembro é o mês que reforça a importância de falar sobre uma doença rara e genética, que ainda não possui cura. No Brasil, estima-se que apenas 3500 pessoas são diagnosticadas com fibrose cística. Ela é causada pela mutação de um gene específico do cromossomo sete e altera a produção de uma proteína chamada CFTR, responsável por manter a hidratação do interior dos ductos e vias aéreas. A doença afeta principalmente o sistema respiratório e digestivo.

O mês foi escolhido para lembrar a fibrose cística pois 5 de setembro marca a passagem do Dia Nacional de Conscientização e Divulgação da doença e o dia 8 de setembro é o Dia Mundial da Fibrose Cística. Foi nessa data que, em 1989, foi publicada na Revista Science a descoberta do gene causador da doença, o CFTR.


Campanha Setembro Roxo visa conscientizar e tornar pública a doença. 

Entendendo um pouco a doença

Para um indivíduo nascer com a fibrose cística, tanto o pai como a mãe devem possuir os genes afetados pela doença, mesmo que não apresentem os sintomas. Uma pessoa só irá contrair a doença caso receba duas cópias dos genes com a mutação. Ou seja, filhos de casais com esta característica possuem 25% de chances de nascer com a doença.


Foto: Lídia Sievers Lobe

Sozinhos, os sintomas da fibrose cística nem sempre representam algum risco. Porém, quando observados juntos, é importante ficar atento.

Os principais sinais de alerta da doença são:

• Tosse produtiva crônica;

• Suor salgado;

• Pneumonia de repetição;

• Diarreia;

• Déficit de ganho de peso e crescimento;

• Sinusite crônica.

Convivendo e enfrentando a fibrose cística

Eduardo Wegner Schramm tem 31 anos e é morador de Brusque. Ele foi diagnosticado com fibrose cística aos quatro anos. De acordo com ele, os pais ficaram bastante abalados, mas fizeram de tudo para que sua expectativa fosse a maior possível. Eles nunca haviam ouvido falar da doença antes do diagnóstico.


Foto: Arquivo pessoal

A rotina de Eduardo é sempre a mesma. Todos os dias, ele precisa fazer nebulização e fisioterapia, uma vez logo após acordar e outra na parte da noite. O uso de antibióticos também é frequente, para tratar de infecções pulmonares. É preciso também ingerir enzimas digestivas antes de comer alimentos. As enzimas facilitam a digestão e absorção, já que os portadores de fibrose não as possuem na quantidade necessária.

As complicações, que levam a internações para o uso de tratamentos mais fortes acontecem bastante. Os medicamentos básicos, pelo menos, são acessíveis. “A grande maioria conseguimos pelo SUS. Outros mais caros de última geração, que chegam a anular a grande maioria dos sintomas e nos proporcionam uma vida normal, ainda não estão sendo distribuídos. Fico feliz que eles (os remédios) existam, acredito que seja questão de tempo o fornecimento, porém é um tempo precioso que muitas vezes nós não temos.”, lamenta.

Uma esperança para melhora da qualidade de vida dos pacientes com fibrose cística é o transplante pulmonar, tratamento que apresentou evolução nos últimos anos. Este procedimento é indicado quando a função pulmonar está comprometida. Eduardo, entretanto, não pretende realizar o transplante. “Desde pequeno fiz bastante exercício físico e mesmo que minha saúde nitidamente esteja se deteriorando, tenho esperança de que eu consiga ter acesso aos melhores remédios antes de chegar ao ponto de um transplante”, afirma.

Dentro de casa em segurança para driblar a covid-19

Em tempos de pandemia, os portadores da doença são considerados grupo alto de risco. Por isso, ele se mantém seguro dentro de casa, não saindo de nenhuma forma. “Preciso evitar ao máximo outra doença que ataque os pulmões, seria bem complicado reverter o quadro”, conclui.

Moradora de Blumenau mudou de vida pós transplante

Até os 12 anos de idade, Camila Stadnik, convivia com problemas respiratórios. Os médicos davam sempre o mesmo diagnóstico: sinusite e bronquite. Tosse, febre e dor de cabeça eram comuns na vida da moradora de Blumenau. Até o dia em que teve uma piora significativa, fazendo com que os médicos cogitassem a possibilidade de ela ter algo mais grave. Em consulta com um pneumologista, a fibrose cística foi constatada.

Assim como Eduardo e sua família, Camila e seus pais, também nunca tinham ouvido falar na doença. “Nos últimos tempos, mais pessoas vem conhecendo a doença. Mas mesmo assim, muitos só sabem da existência dela, porque têm ou conhecem alguém que tenha”, aponta.

Em 2017, ela entrou para a fila de transplante de pulmão. A doença se agravava. A capacidade pulmonar piorava. Os tratamentos ficavam cada vez mais fortes. O processo para conseguir o transplante, porém, não é dos mais fáceis. “Talvez a coisa mais demorada, foi conseguir a minha primeira consulta. Para conseguir, precisamos fazer vários exames. Depois disso, é encaminhado para a avaliação. Levei 10 meses para conseguir essa consulta”, relembra. Foram entre 6 e 7 meses na lista de espera até ser chamada.


Foto: Arquivo pessoal

Com a piora do estado de saúde, Camila foi internada mais uma vez em abril de 2018. Ela ficou quinze dias no hospital, com infecção de bactérias decorrentes da fibrose cística. Apenas uma hora após receber alta e chegar em casa, ela recebeu a notícia mais esperada: um doador compatível havia sido encontrado e o transplante poderia, enfim, ser realizado.

De acordo com ela, a cirurgia foi rápida e bem sucedida. Foram pouco menos de 6 horas. O otimismo com o procedimento também foi peça chave para que tudo desse certo. “Sempre procurava ficar bem positiva em relação ao transplante. Tanto que na avaliação, um dos médicos me perguntou se eu tinha certeza se eu queria. Por causa dos riscos de ficar na mesa e do pós operatório”, recorda. A resposta de Camila aos médicos foi contundente: “Sim. Quero muito. Estou em um oxigênio há um ano e já não consigo fazer mais nada sozinha. Eu sei da minha situação. Sei que se não fizer, não vou mais muito longe. Então, essa é a minha saída. E eu realmente não acredito que vou morrer na cirurgia. Tenho mais medo de não conseguir aguentar até lá. E se for para morrer na mesa, prefiro assim. Pois vou estar anestesiada e não vou sentir nada. Diferente de ficar sufocando."

Vida pós-transplante 

O transplante proporcionou a Camila, hoje com 25 anos, uma vida que ela ainda não havia experimentado. Caminhar, correr, patinar. Tudo isso sem cansar. Ela pode também trabalhar e estudar sem se preocupar com os horários da nebulização. Em breve, pretende realizar seu sonho de viajar para o exterior. “Estou juntando meu dinheiro para poder ir”, revela.

Impasse judicial para conseguir medicamento

Hoje, dois anos após o procedimento. Ela agora faz uso do medicamento Tracolimo, que não era distribuído em Santa Catarina para pacientes com transplante pulmonar. Após cerca de quatro meses, porém, o remédio parou de ser disponibilizado. “Cheguei a ter que pedir doações. O remédio custa, em média, R$ 1300 a caixa e tenho que tomar dois. Agora estou na luta com o processo novamente contra o município, estado e união. Ao menos, esses últimos meses, ganhei o direito do sequestro de bens”, aponta.

Pais, deixem os filhos terem uma vida normal! 

Ela pede que os pais não criem os filhos portadores da doença em “bolhas” e que os deixem viver uma vida normal. “Temos sim que ter o nosso cuidado. Mas também, não podemos deixar de viver. Tudo tem que ser na medida certa”. Lembra também que por desconhecimento, muitas pessoas acabam tendo um preconceito em relação aos pacientes com fibrose cística. “Não precisamos passar por preconceitos, ou olhares de nojo em relação as tosses e outras coisas. Assim também, como não vamos passar a doença para ninguém”, reforça.

Coronavírus

Sobre a pandemia, ela conta que no início estava bastante preocupada. Evita ao máximo sair de casa e faz uso contínuo de máscara e álcool em gel. “Não vejo a hora disso tudo passar e poder voltar com a rotina normal”, explana a blumenauense, que trabalha em uma escola de informática.

Não desista! 

Camila deixa uma mensagem de esperança para as pessoas que como ela, sofrem com a doença. “Queria dizer para as pessoas que estão na lista para receberem o transplante que a luta não é fácil. As vezes até desesperadora. Principalmente quando a falta de ar é insuportável. Mas não desista. Mesmo com os riscos que podem haver em relação ao transplante, vale a pena. Quando conseguimos, vivemos coisas e de um jeito que jamais conseguimos antes”, conclui.

Rede de apoio

Com o objetivo de proporcionar assistência aos pacientes com fibrose cística e familiares de Santa Catarina, no dia 25 de junho de 1991 surge a ACAM – Associação Catarinense de Assistência ao Mucoviscidótico. Situada em Florianópolis, a entidade busca garantir a qualidade de vida dos pacientes do estado através da divulgação da doença e incentivo a pesquisas. 


Sede da Acam, em Florianópolis. Foto: Lídia Sievers Lobe

Atualmente, a ACAM possui mais de 250 pessoas cadastradas. O atendimento da associação contempla todos os 295 municípios do estado. A associação oferece diversos serviços para auxiliar e atender os pacientes e seus familiares.


por Celio Bruns Jr

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