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Violência obstétrica ainda é realidade em Brusque

“Não grita, porque não sou seu marido” é uma das frases comuns ouvidas pelas parturientes. Alguns procedimentos médicos também são configurados como violência obstétrica.

Publicado em 02/02/2017 às 04:27

Foto: divulgação

“Não grita. Não sou seu marido pra ficar te ouvindo gritar”. Line Janes, de 35 anos, ouviu essas e outras frases de enfermeiros durante o parto de seu primeiro filho. Em 2009, ela deu entrada no hospital em Brusque assim que a bolsa rompeu. O momento foi marcante, mas não da maneira como ela esperava.

Line conta que sofreu o que muitas mulheres também sofrem quando chegam ao hospital para dar à luz – a violência obstétrica. “Tudo o que eu poderia sofrer eu sofri. Escolhi o parto natural porque sabia que meu filho viria quando ele estivesse pronto. Mas nem eu e nem ele fomos respeitados”.

Ela afirma que na sala de parto havia mais cinco gestantes, e a enfermeira era direta quando ordenava que elas não podiam gritar de dor. “Ela dizia – ‘na hora de fazer não doeu, né?’. Ouvi isso e muito mais coisa absurda”.

A rudeza da equipe hospitalar é apenas um dos quesitos que englobam a violência obstétrica. Alguns procedimentos comumente utilizados, e que são considerados desnecessários em muitos casos, também se configuram como práticas de violência.

Um desses procedimentos é a aplicação da ocitocina sintética na parturiente. Esse hormônio é produzido pelo organismo e responsável pelas contrações que levam à dilatação do colo do útero, o que facilita a saída do bebê. Porém, no hospital Line recebeu o soro com ocitocina para acelerar o processo do parto apenas duas horas depois que a bolsa rompeu.

Para acelerar ainda mais o nascimento do filho de Line, um enfermeiro realizou a manobra de Kristeller, ato condenado pelo Ministério da Saúde. No processo, alguém da equipe médica empurra a barriga da parturiente, também para facilitar a saída do bebê. “Um enfermeiro de quase dois metros de altura quase subiu em cima de mim para empurrar a minha barriga”.

Em 2013, Line teve seu segundo filho e novamente foi vítima de violência obstétrica. Na sala de parto, ela voltou a ouvir palavras rudes da equipe e passou pelo procedimento de episiotomia. Um corte feito na região do períneo (região muscular entre a vagina e o ânus) que serve para ampliar o canal de parto. “O médico achou cômodo me cortar. Com isso, levei 16 pontos. E depois eles inflamaram”.

De acordo com médica obstetra, Camila Morelli, a episiotomia e a aplicação de ocitocina são necessários em alguns casos, mas que não devem ser feitos de forma rotineira. “Tudo tem que ser avaliado e são procedimentos que não devem ser comuns, mas que têm suas indicações”.

A médica explica que a ocitocina só deve ser aplicada quando as contrações da parturiente começam a diminuir ou quando não estão intensas o suficiente. Ou ainda, quando a dilatação do colo uterino já está completa e mesmo assim é necessária uma intervenção para ajudar o bebê a sair.

Já a episiotomia é um procedimento quase não realizado pela médica. O corte só é indicado, segundo Morelli, quando há a possibilidade de laceração da região do períneo, o que pode dificultar a recuperação da parturiene. “Há muito tempo não realizo esse procedimento por ele não ser quase nunca necessário. Tem alguns casos em que o corte é preciso para prevenir lacerações que podem acontecer de forma irregular, e se tornam mais difíceis de serem suturadas. Então, tem as suas indicações. Mas deve ser bem avaliado e explicado à paciente que será feito”.

“Não deixaram meu marido entrar na sala de parto comigo”
Em 2010, Suelen Nunes deu entrada em um hospital de Brusque com contrações que avisavam a chegada da primeira filha. Assim que entrou no quarto, a enfermeira deixou claro que ela não poderia pedir nenhum medicamento para dor e que não era para gritar. Em seguida, apagou a luz e saiu.

Algum tempo depois, a mesma enfermeira voltou para aplicar o soro com ocitocina. Suelen teve que pedir a intervenção do médico, que constatou que as contrações estavam dentro da normalidade e que o parto estava evoluindo, portanto, não precisava do procedimento.

Quando chegou a hora do bebê nascer, o marido de Suelen foi proibido de entrar na sala de parto, mesmo existindo a Lei do Acompanhante, que obriga o hospital a permitir que uma pessoa, a critério da parturiente, presencie o pré e o pós-parto. A lei federal está em vigor desde 2005, mas ainda há situações em que é descumprida.

O último caso de violência obstétrica que Suelen sofreu foi recente. No dia 27 de novembro do ano passado, ela dava à luz ao filho Vicente. Durante a gestação, ela contratou o serviço de uma doula – profissional que acompanha todo o processo de gravidez até o pós-parto, proporcionando maior conforto físico e emocional à mãe. No dia do nascimento do filho, Suelen esperava que a doula a acompanhasse na sala de parto, o que não aconteceu.

A doula foi impedida de acompanhar o nascimento do bebê. Em janeiro de 2016, o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, sancionou a Lei das Doulas, que garante a presença da profissional, além do acompanhante, durante o trabalho de parto. Mas esta também anda sendo descumprida nos hospitais.

A médica Camila Morelli afirma que a decisão de alguns médicos de não permitir o acompanhante ou doula na sala de parto não é por má vontade. “Essa questão é presente em Brusque, mas tem situações em que a sala de parto é dividida para três gestantes, que são separadas apenas por uma cortina. Se cada gestante colocar um acompanhante e uma doula fica uma situação desagradável até para ela mesma”.

O que diz a acompanhante profissional
Rachel da Costa atua como doula em Brusque e já acompanhou dezenas de partos. Ela afirma que já presenciou vários casos de violência obstétrica, mas que as próprias parturientes preferem não exigir seus direitos, e tantas outras nem sabem que passaram por atos de violência durante o parto.

“Tem muita mulher que acha normal os atos de violência porque ouviu relatos da mãe, da tia, ou da própria avó. É quase uma cultura de que o parto natural é violento. É mais comum a mulher não saber que sofreu violência obstétrica do que ter consciência disso”.

Rachel acredita que são os maus tratos nos hospitais brasileiros que fazem as grávidas desistirem do parto natural. “A maioria das grávidas que conheci rejeitavam o parto natural por causa da violência emocional que ouviram de histórias de pessoas conhecidas”.

 

Uma pesquisa realizada em 2014 pela FioCruz, revela que 70% das brasileiras querem fazer o parto natural assim que descobrem estar grávidas. Mas boa parte delas – 52%, acaba elegendo a cesariana. 

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