Preocupada com o aumento de
83% nas notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes
registradas nos últimos seis anos no Brasil, a Coordenadoria Estadual da
Infância e Juventude (Ceij) do TJ promoveu na última semana o Seminário
Interinstitucional sobre o primeiro ano de vigência da Lei n. 13.431/2017. Ela
foi responsável por normatizar mecanismos capazes de prevenir e combater a
violência institucional contra crianças e adolescentes. Duas medidas
preconizadas na nova legislação ganharam atenção especial durante o evento: a
escuta especializada e o depoimento especial.
A escuta especializada é o
procedimento de entrevista com a criança ou o adolescente sobre uma situação de
violência, perante um órgão da rede de proteção - educação, saúde, assistência
social, segurança pública etc. -, que tem por objetivo o acesso às informações
necessárias para embasar o atendimento e os encaminhamentos dentro da própria
rede. A finalidade, nesta etapa, não é a produção de provas. Já o depoimento
especial é também um procedimento de entrevista com menores, centrado no relato
livre, sem interrupções, perante a autoridade policial ou judicial, mas com
objetivo distinto: coleta de prova testemunhal que pode ser utilizada até mesmo
como fundamento numa decisão judicial. De acordo com a nova legislação, esta
entrevista deve ser feita por um profissional especializado.
Em Santa Catarina, 46 comarcas
já possuem salas estruturadas e totalmente equipadas para realizar os
depoimentos especiais, com isolamento acústico, mesas de som e câmaras de
vídeo. A previsão é que até o fim do mês outras 70 comarcas recebam esses
equipamentos. Cerca de 70 magistrados catarinenses já foram capacitados em
2018, e outros 40 farão um curso credenciado ainda neste ano. O protocolo
científico adotado pelo Judiciário tem como base as psicologias cognitiva,
social e do testemunho.
"A gravidade dos crimes e
a fragilidade das vítimas fazem todo o nosso esforço valer a pena",
garante o juiz Luciano Fernandes da Silva, titular da comarca de Ponte Serrada,
no oeste catarinense, apontada como referência estadual nesse tipo de
atendimento.
Segundo explicou a desembargadora
Rosane Portella Wolff, responsável pela Ceij, todos os esforços do Tribunal
estão centrados na capacitação dos técnicos responsáveis pelas entrevistas
investigativas. "É o coração do nosso projeto", diz a magistrada.
A Ceij, acrescenta, prioriza a
implementação do projeto no Judiciário catarinense e, entre outras ações, além
dos cursos permanentes, estruturou um protocolo com toda a rede de apoio.
"É muito importante que Judiciário, Polícia Civil e Ministério Público
estejam em sintonia, falando a mesma língua, para que se evite a violência
institucional", frisa a desembargadora.
Preocupação compartilhada por
outros atores deste contexto. "Ter protocolos em todos os centros e nas
redes de atenção e fazer com que eles sejam conhecidos e seguidos são uma das
grandes metas do nosso trabalho", corrobora a médica Vanessa Borges Platt,
representante da Rede de Atenção Integral às Pessoas em Situação de Violência
Sexual (RAIVS). Porém, avanços já são registrados e indicam que os esforços não
são em vão. Já se nota, garantem os técnicos, a diminuição do tempo entre a
notícia do evento e a tomada de depoimento da vítima, e também a diminuição das
intervenções feitas junto com a criança e o adolescente.
O objetivo central é a
proteção da vítima, seu bem-estar, respeitando sua etapa de desenvolvimento e
seu direito de não falar. O depoimento especial, explica o psicólogo forense
Ricardo Luiz De Bom Maria, não deve ser um espaço para condenar ou inocentar quem
quer que seja, mas para clarificar determinada situação. O psicólogo elenca
vários aspectos importantes nesse procedimento: ele deve ser baseado na escuta
e não na inquirição; não se pode, de maneira nenhuma, sugestionar a criança ou
o adolescente, por isso é importante fazer perguntas abertas; deve-se respeitar
o tempo e o ritmo de quem está falando, aceitando as pausas e o silêncio.
"A entrevista é um direito e não um dever da criança ou do
adolescente", enfatiza Bom Maria.
O Seminário Interinstitucional,
promovido pela Ceij em parceria com a Academia Judicial, contou com a
participação de magistrados e servidores do Judiciário, delegados e psicólogos
da Polícia Civil, membros e servidores do Ministério Público, da Defensoria
Pública e da OAB, além de estudantes universitários, reunidos no auditório
Ministro Teori Zavascki, na sede do TJ.